SELENOGRAFIA
Duas notas: Anda em cima da mesa a velha questão de Apolo e Dionísio (a cena 12 seria, de certa forma, a descida de Dionísio à Praia Grande); e
"Selenografia" é a ciência que estuda a Lua. É, também, a minha proposta para o nome do filme.
CENA 1 – Apartamento sem mobília.
Persianas corridas, vaga réstia de luz no apartamento sombrio. Amanda está sozinha. Pinta sobre uma tela estendida no chão. Que sentimentos expressam os seus traços? Em que vertigem se demora ela, e em que angústia? De quem pinta ela a ausência?
Duas notas: Anda em cima da mesa a velha questão de Apolo e Dionísio (a cena 12 seria, de certa forma, a descida de Dionísio à Praia Grande); e
"Selenografia" é a ciência que estuda a Lua. É, também, a minha proposta para o nome do filme.
CENA 1 – Apartamento sem mobília.
Persianas corridas, vaga réstia de luz no apartamento sombrio. Amanda está sozinha. Pinta sobre uma tela estendida no chão. Que sentimentos expressam os seus traços? Em que vertigem se demora ela, e em que angústia? De quem pinta ela a ausência?
CENA 2 – Estrada de Colares. 15 de Junho. Terça-Feira.
Um Toyota Carina de 1990, cinzento-escuro, serpenteia por esta estrada. A CÂMARA segue-o à distância, com o pudor devido àqueles com quem ainda não se travou conhecimento.É impressionante, a nossa estrada, que conduz da Sintra à Praia Grande. Estreita, plena de curvas, e recolhida sob um tecto formado pelas copas amplas das árvores imensas que ladeiam o caminho. Podemos ver aquele carro a fazer as curvas antes de nós e a desaparecer atrás do arvoredo, para reaparecer logo em seguida, quando chega a nossa vez de tornear o caminho. Mantemo-nos no nosso curso, à mesma distância respeitosa. Não somos yankees, grosseirões, e não é da nossa índole precipitar as apresentações, com uma mão estendida à altura das fuças de um interlocutor surpreendido. Não vemos, aliás, o propósito de atalhar caminho, quando esta estrada nos conduzirá - estamos certos disso - ao mesmíssimo destino daquele Toyota. Não temos pressa alguma.
Por fim, a Praia Grande, lá em baixo. O carro desce, e nós com ele.
CENA 3 – Bar de Praia. Mesmo dia.
A tarde finda, o sol já declina no horizonte. O Toyota (vêmo-lo agora - conduzido por um homem de meia idade e transportando, como passageiras, Rita e Laura) estaca a sua marcha junto ao bar. As raparigas saem, despedidas breves. O automóvel dá meia-volta e desaparece.
Artur flirta com uma cliente no bar semi-vazio. Rita e Laura sentam-se ali.
Patrícia surge, um pouco depois. Sorrateira, como um gato. Artur pressente a chegada da amiga. São os dois, afinal, do mesmo género, do mesmo molde. Prestam tributos ao mesmo Deus pagão, e reconhecem-se à distância.
As chaves do apartamento passam das mãos de Patrícia para as de Rita, uma vez feitas as apresentações. É a altura de André surgir, numa pausa do trabalho. Ignora Rita. Terá sido de propósito? Hipótese inconcebível!
Rita levanta-se, faz-lhe cerco. André não a tinha visto. Afirma ele... Que esquisito que ele está! Esquisito, esquivo... Logo à noite não dá para se encontrarem?? Muito cansado? A desculpa é aceite, Rita quer perceber primeiro aquilo com que está a lidar.
Patrícia elogia Laura, que aguarda, sozinha, por Rita. Serão só palavras de circunstância? Laura fica embaraçada, claro.
CENA 4 – Apartamento vazio. Noite do mesmo dia.
Chegada da Patrícia a casa. Depois do seu dia de trabalho troca de roupa e descansa um pouco sentada frente ao computador.
Amanda, sua namorada, também está no apartamento. Vive como um vulto, poucas são as vezes em que se afirma numa conversa, mesmo que seja com a sua namorada.
CENA 5 – Super-mercado. Dia 18 de Junho. Sexta-feira.
Manhã. Amanda acorda, vai até à cozinha e percebe a pobreza em que se mantém. Decide-se a sair de casa para ir ao super-mercado.
Depois de sair do super-mercado vê Patrícia com um homem desconhecido. Parece haver um flirt entre eles. Amanda, que avista tudo de longe, fica em estado de suspeita. Assume a sua posição de “detective”, que se irá afirmar durante toda a sua estadia pela Praia Grande.
Acabará por seguir Patrícia e este homem até um edifício de apartamentos, onde estes entram. Amanda fica cá fora, destroçada, imóvel.
CENA 6 – Piscina do Hotel da Praia Grande. Mesmo dia.
Tarde. Desde a piscina, Rita observa, no areal, André, que bebe, sorrateiramente, uma cerveja que ali lhe levou Artur. Os dois homens seguem com o olhar as veraneante que passam, de biquini. Rita compreende já as razões do afastamento de André. É uma mulher orgulhosa – e a vingança é irmã do orgulho.
Laura tenta alegrar a amiga. Mas Rita é uma actriz. Esconde rapidamente o seu desânimo. E Laura fica, em mais de um sentido, a falar sozinha das virtudes de algo que, afinal, nunca experimentou: o amor.
CENA 7 – Bar de Praia. Mesmo dia.
Tarde. A cena continua imediatamente a anterior. Artur regressa da praia, onde foi entregar a cerveja a André. Patrícia aguarda-o no bar, sorridente. Mais do que isso: verdadeiramente solar.
Artur pergunta por Amanda. Patrícia passou o dia a “a mostrar apartamentos a clientes”, mas espera que Amanda vá ali ter dentro em pouco.
Artur e Patrícia bebem, divertem-se, sem remorsos. Artur expande-se, fala de André, e das lições que lhe tem dado. Interessa percebermos que André está a receber formação militar de puro machismo.
Amanda não vem.
CENA 8 – Saída da piscina. Mesmo dia.
Fim de tarde. Rita e Laura saem do recinto da piscina para a rua. Laura segue um pouco atrás. Cruza com um rapariga que lhe atrai a atenção, por parecer não pertencer àquele espaço. Como ela própria afinal.
Laura vira as costas para observá-la melhor. Trata-se de Amanda, que vagueia por ali, aparentemente sem destino. Para surpresa de Laura, Amanda vira-se para trás e encara Laura directamente nos olhos.
CENA 9 – Apartamento vazio.
Amanda entra no apartamento. Patrícia parece um pouco surpreendida por a ver chegar tão tarde – mas não demasiado surpreendida. Segue-se uma cena de ciúmes. Patrícia explica-se: era um cliente, o homem com quem a viu Amanda.
No dia seguinte, o Artur dará uma festa no Bar. As duas irão, como um casal. Sim, Patrícia ainda a ama. Amanda aceita esta migalha de esperança.
CENA 10 – Bar. Mesmo dia.
Já passou a hora do fecho. Artur e André conversam e embebedam-se nas cadeiras da esplanada. A Rita virá à festa, amanhã. Que vais fazer... quanto a isso, pergunta Artur? É tarde demais para se procurar uma resposta racional ou sensata para semelhante questão. Dionísios já desceu sobre estes dois homens, e os planos de futuro são, todos eles, inúteis. Será, enfim, como tiver que ser. Risos.
Esperem: Há ali uma terceira pessoa? Sim, uma rapariga que não conhecemos, adormecida, de bêbada, sobre duas cadeiras. Artur leva-a para casa – ali, a dois passos Hoje fico eu com o quarto... Depois tranca a porta do bar, ok, parceiro? André está agora sozinho. E que bom é podermos ser jovens e livres na mais profunda solidão!
CENA 11 – Casa de Artur e André. Dia 19 de Junho. Sábado.
Manhã. Artur acorda, estremunhado. Olha para o lado, na cama. Ninguém. Levanta-se aos tombos, tenta focar o olhar no relógio. Já passa da hora de abrir o bar! Deslocando-se na casa escurecida, procura André. Este não está em lado nenhum. Abre as portadas para o dia, esplendoroso. O mar ruge à distância.
Encontra André cá fora, adormecido no chão. Artur apressa-se a acordá-lo. É preciso que André vá rapidamente trabalhar. Impõe-se um duche de água fria – ou, e porque não?: uma sessão de surf retemperador.
CENA 12 – Bar. Muito ainda a ser definido...
O que se realmente há a definir é como decorrerá toda a situação no bar, à noite, durante a festa que reunirá todos os personagens. Trata-se de uma longa cena (na realidade, desenrola-se ao longo de várias horas, portanto constitui mais do que uma cena) que incorpora, pelo menos, os seguintes elementos:
Rita confrontará finalmente André, que está completamente bêbado, quase em transe. Acabará por ser bruto e ofensivo para com Rita. Artur tenta moderar a discussão. André dirá a Artur – sem mágoa, com o coração aberto, generoso, amigo - que quer que este vá para a cama com Rita. Rita, ofendida, prepara-se para se ir embora, mas Artur retém-na ali.
Patrícia e Amanda comparecem, como casal. Mas as esperanças de Amanda serão esmigalhadas pela atitude de Patrícia, que não pode, nunca, deixar de ser “maior do que a vida”. Amanda sente ser só um parte secundária na vida de Patrícia, e abandona a festa mais cedo, mas não sem antes, e às escondidas de todos, beijar Laura – sem que se troque, entre as duas, uma palavra.
André tentará, por motivo nenhum, senão a locura dionisíaca, agredir Artur, mas acaba por ser espancado por este, muito mais forte.
Artur, Patrícia e Rita bebem continuamente, levam ao máximo o extâse dioníasíco. (há muito trabalho de escrita para fazer aqui... Artur, nesta cena, destacar-se-á – é aqui que se dá a sua metamorfose...). Ao fim da noite, acabará por levar Rita para sua própria casa. Esta, bêbada e motivada pelo orgulho, aceita de bom grado ter Artur para companheiro dessa noite.
CENA 13. Apartamento de Artur e André. Mesma noite
Rita e Artur têm relações. Aqui (uma vez mais), dou-te a palavra, Hugo:
…ouvimos a pele a rasgar… os cabelos prenderem-se às mil mãos de cada um… imagens perdidas… vultos escurecidos pelas sombras azuis… sobrevivem através dos ruídos… a arma de cada um fere o corpo do outro… sangram… gritam… gritam… a noite dilata as feridas… continuam… repetem-se... até que a manhã traça um risco amarelo no horizonte… ri-se deles... de nós... fim.
CENA 14 – Praia, junto à falésia. A mesma noite.
André abandona a festa e dirige-se para a praia. Laura segue-o. Junto à falésia ocorre a tentativa de violação. Laura, como sabemos, não resiste e, mais até, oferece-se a André. Este é, afinal, incapaz de ter relações com ela. Adormecerá, bêbado e decadente, junto a Laura. Esta dir-lhe-á (embora sabendo-o já adormecido) o quanto gostava de ser como uma rapariga típica da idade dela – e também que compreende agora que nunca o poderá ser. Muito trabalho de escrita, para aqui, já que é quando Laura se afirma como “a mulher que realmente é”, a (eterna) estudante tímida de Cultura Grega... e é este o final do seu arco dramático.
CENA 15. Apartamento de Rita e Laura. 20 de Junho. Madrugada de Domingo.
Madrugada. Laura entra em casa. Rita já lá se encontrava. Trocam poucas palavras. Rita diz que vai voltar para Lisboa. Laura tenta dissuadi-la, mas demasiado timidamente. Rita partirá nesse mesmo dia. (Laura vai com ela? Eu diria: sim)
CENA 16. Apartamento vazio. Mesmo dia.
Noite. Patrícia dorme. Amanda traça-lhe o retrato.
CENA 17. Praia. 21 Junho.
Amanda, completamente vestida, entra no mar. André entra para salvá-la. Artur, que observa a cena ao longe, vai a correr e junta-se ao salvamento.
Os dois homens retiram Amanda do mar. André está alterado, imensamente preocupado com Amanda, age como um verdadeiro profissional – acto que o regenera moralmente.
Artur e André farão as pazes, mas a relação de mentor e aluno acabou. São agora dois estranhos que se respeitam.
CENA 18. Apartamento vazio.
É com uma nota agridoce que termina esta “Selenografia”:
Noite. Amanda repousa sobre a cama. Patrícia vigia-a de perto. O apartamento está às escuras, a luz que entra é a da rua. A custo, Amanda conseguirá, enfim, falar dos ciúmes que a dominam. Sente-se, em parte, protegiada pela seu desaire dessa manhã. Espera caridade de Patrícia.Patrícia, no entanto, será sincera na resposta às inquietações de Amanda (Patrícia não sabe ser de outra maneira).
CENA 19. O engate.
Patrícia relatará, então, um engate recente. Recordam-se do episódio da lingerie? É a actualização deste. Talvez ela lhe conte que aquilo homem com quem Amanda a vira (cena 5) era, de facto, um engate. Ou talvez lhe conte como, recentemente, foi a um bar especificamente para engatar um homem mais velho – qualquer homem mais velho... e que foi tão longe quanto o desejou.
À história relatada por Patrícia corresponderão imagens, a que se sobreporá (talvez) a voz-off da narradora.
CENA 20. Apartamento vazio. A mesma noite.
Patrícia acaba o seu relato. Amanda percebe que nunca terá forças para impor, naquela relação, um modelo diferente. Nunca se sentirá realmente amada. Por outro lado, não tem a força que lhe permitiria sair da relação. É fraca, e está sujeita a Patrícia para todo o sempre.
Exactamente no momento em que constata isto mesmo, olha para Patrícia. Esta surge-lhe como uma silhueta negra, que se destaca contra o céu azul nocturno, onde a lua cheia e cor-de-rosa brilha intensamente, impiedosamente.
Um Toyota Carina de 1990, cinzento-escuro, serpenteia por esta estrada. A CÂMARA segue-o à distância, com o pudor devido àqueles com quem ainda não se travou conhecimento.É impressionante, a nossa estrada, que conduz da Sintra à Praia Grande. Estreita, plena de curvas, e recolhida sob um tecto formado pelas copas amplas das árvores imensas que ladeiam o caminho. Podemos ver aquele carro a fazer as curvas antes de nós e a desaparecer atrás do arvoredo, para reaparecer logo em seguida, quando chega a nossa vez de tornear o caminho. Mantemo-nos no nosso curso, à mesma distância respeitosa. Não somos yankees, grosseirões, e não é da nossa índole precipitar as apresentações, com uma mão estendida à altura das fuças de um interlocutor surpreendido. Não vemos, aliás, o propósito de atalhar caminho, quando esta estrada nos conduzirá - estamos certos disso - ao mesmíssimo destino daquele Toyota. Não temos pressa alguma.
Por fim, a Praia Grande, lá em baixo. O carro desce, e nós com ele.
CENA 3 – Bar de Praia. Mesmo dia.
A tarde finda, o sol já declina no horizonte. O Toyota (vêmo-lo agora - conduzido por um homem de meia idade e transportando, como passageiras, Rita e Laura) estaca a sua marcha junto ao bar. As raparigas saem, despedidas breves. O automóvel dá meia-volta e desaparece.
Artur flirta com uma cliente no bar semi-vazio. Rita e Laura sentam-se ali.
Patrícia surge, um pouco depois. Sorrateira, como um gato. Artur pressente a chegada da amiga. São os dois, afinal, do mesmo género, do mesmo molde. Prestam tributos ao mesmo Deus pagão, e reconhecem-se à distância.
As chaves do apartamento passam das mãos de Patrícia para as de Rita, uma vez feitas as apresentações. É a altura de André surgir, numa pausa do trabalho. Ignora Rita. Terá sido de propósito? Hipótese inconcebível!
Rita levanta-se, faz-lhe cerco. André não a tinha visto. Afirma ele... Que esquisito que ele está! Esquisito, esquivo... Logo à noite não dá para se encontrarem?? Muito cansado? A desculpa é aceite, Rita quer perceber primeiro aquilo com que está a lidar.
Patrícia elogia Laura, que aguarda, sozinha, por Rita. Serão só palavras de circunstância? Laura fica embaraçada, claro.
CENA 4 – Apartamento vazio. Noite do mesmo dia.
Chegada da Patrícia a casa. Depois do seu dia de trabalho troca de roupa e descansa um pouco sentada frente ao computador.
Amanda, sua namorada, também está no apartamento. Vive como um vulto, poucas são as vezes em que se afirma numa conversa, mesmo que seja com a sua namorada.
CENA 5 – Super-mercado. Dia 18 de Junho. Sexta-feira.
Manhã. Amanda acorda, vai até à cozinha e percebe a pobreza em que se mantém. Decide-se a sair de casa para ir ao super-mercado.
Depois de sair do super-mercado vê Patrícia com um homem desconhecido. Parece haver um flirt entre eles. Amanda, que avista tudo de longe, fica em estado de suspeita. Assume a sua posição de “detective”, que se irá afirmar durante toda a sua estadia pela Praia Grande.
Acabará por seguir Patrícia e este homem até um edifício de apartamentos, onde estes entram. Amanda fica cá fora, destroçada, imóvel.
CENA 6 – Piscina do Hotel da Praia Grande. Mesmo dia.
Tarde. Desde a piscina, Rita observa, no areal, André, que bebe, sorrateiramente, uma cerveja que ali lhe levou Artur. Os dois homens seguem com o olhar as veraneante que passam, de biquini. Rita compreende já as razões do afastamento de André. É uma mulher orgulhosa – e a vingança é irmã do orgulho.
Laura tenta alegrar a amiga. Mas Rita é uma actriz. Esconde rapidamente o seu desânimo. E Laura fica, em mais de um sentido, a falar sozinha das virtudes de algo que, afinal, nunca experimentou: o amor.
CENA 7 – Bar de Praia. Mesmo dia.
Tarde. A cena continua imediatamente a anterior. Artur regressa da praia, onde foi entregar a cerveja a André. Patrícia aguarda-o no bar, sorridente. Mais do que isso: verdadeiramente solar.
Artur pergunta por Amanda. Patrícia passou o dia a “a mostrar apartamentos a clientes”, mas espera que Amanda vá ali ter dentro em pouco.
Artur e Patrícia bebem, divertem-se, sem remorsos. Artur expande-se, fala de André, e das lições que lhe tem dado. Interessa percebermos que André está a receber formação militar de puro machismo.
Amanda não vem.
CENA 8 – Saída da piscina. Mesmo dia.
Fim de tarde. Rita e Laura saem do recinto da piscina para a rua. Laura segue um pouco atrás. Cruza com um rapariga que lhe atrai a atenção, por parecer não pertencer àquele espaço. Como ela própria afinal.
Laura vira as costas para observá-la melhor. Trata-se de Amanda, que vagueia por ali, aparentemente sem destino. Para surpresa de Laura, Amanda vira-se para trás e encara Laura directamente nos olhos.
CENA 9 – Apartamento vazio.
Amanda entra no apartamento. Patrícia parece um pouco surpreendida por a ver chegar tão tarde – mas não demasiado surpreendida. Segue-se uma cena de ciúmes. Patrícia explica-se: era um cliente, o homem com quem a viu Amanda.
No dia seguinte, o Artur dará uma festa no Bar. As duas irão, como um casal. Sim, Patrícia ainda a ama. Amanda aceita esta migalha de esperança.
CENA 10 – Bar. Mesmo dia.
Já passou a hora do fecho. Artur e André conversam e embebedam-se nas cadeiras da esplanada. A Rita virá à festa, amanhã. Que vais fazer... quanto a isso, pergunta Artur? É tarde demais para se procurar uma resposta racional ou sensata para semelhante questão. Dionísios já desceu sobre estes dois homens, e os planos de futuro são, todos eles, inúteis. Será, enfim, como tiver que ser. Risos.
Esperem: Há ali uma terceira pessoa? Sim, uma rapariga que não conhecemos, adormecida, de bêbada, sobre duas cadeiras. Artur leva-a para casa – ali, a dois passos Hoje fico eu com o quarto... Depois tranca a porta do bar, ok, parceiro? André está agora sozinho. E que bom é podermos ser jovens e livres na mais profunda solidão!
CENA 11 – Casa de Artur e André. Dia 19 de Junho. Sábado.
Manhã. Artur acorda, estremunhado. Olha para o lado, na cama. Ninguém. Levanta-se aos tombos, tenta focar o olhar no relógio. Já passa da hora de abrir o bar! Deslocando-se na casa escurecida, procura André. Este não está em lado nenhum. Abre as portadas para o dia, esplendoroso. O mar ruge à distância.
Encontra André cá fora, adormecido no chão. Artur apressa-se a acordá-lo. É preciso que André vá rapidamente trabalhar. Impõe-se um duche de água fria – ou, e porque não?: uma sessão de surf retemperador.
CENA 12 – Bar. Muito ainda a ser definido...
O que se realmente há a definir é como decorrerá toda a situação no bar, à noite, durante a festa que reunirá todos os personagens. Trata-se de uma longa cena (na realidade, desenrola-se ao longo de várias horas, portanto constitui mais do que uma cena) que incorpora, pelo menos, os seguintes elementos:
Rita confrontará finalmente André, que está completamente bêbado, quase em transe. Acabará por ser bruto e ofensivo para com Rita. Artur tenta moderar a discussão. André dirá a Artur – sem mágoa, com o coração aberto, generoso, amigo - que quer que este vá para a cama com Rita. Rita, ofendida, prepara-se para se ir embora, mas Artur retém-na ali.
Patrícia e Amanda comparecem, como casal. Mas as esperanças de Amanda serão esmigalhadas pela atitude de Patrícia, que não pode, nunca, deixar de ser “maior do que a vida”. Amanda sente ser só um parte secundária na vida de Patrícia, e abandona a festa mais cedo, mas não sem antes, e às escondidas de todos, beijar Laura – sem que se troque, entre as duas, uma palavra.
André tentará, por motivo nenhum, senão a locura dionisíaca, agredir Artur, mas acaba por ser espancado por este, muito mais forte.
Artur, Patrícia e Rita bebem continuamente, levam ao máximo o extâse dioníasíco. (há muito trabalho de escrita para fazer aqui... Artur, nesta cena, destacar-se-á – é aqui que se dá a sua metamorfose...). Ao fim da noite, acabará por levar Rita para sua própria casa. Esta, bêbada e motivada pelo orgulho, aceita de bom grado ter Artur para companheiro dessa noite.
CENA 13. Apartamento de Artur e André. Mesma noite
Rita e Artur têm relações. Aqui (uma vez mais), dou-te a palavra, Hugo:
…ouvimos a pele a rasgar… os cabelos prenderem-se às mil mãos de cada um… imagens perdidas… vultos escurecidos pelas sombras azuis… sobrevivem através dos ruídos… a arma de cada um fere o corpo do outro… sangram… gritam… gritam… a noite dilata as feridas… continuam… repetem-se... até que a manhã traça um risco amarelo no horizonte… ri-se deles... de nós... fim.
CENA 14 – Praia, junto à falésia. A mesma noite.
André abandona a festa e dirige-se para a praia. Laura segue-o. Junto à falésia ocorre a tentativa de violação. Laura, como sabemos, não resiste e, mais até, oferece-se a André. Este é, afinal, incapaz de ter relações com ela. Adormecerá, bêbado e decadente, junto a Laura. Esta dir-lhe-á (embora sabendo-o já adormecido) o quanto gostava de ser como uma rapariga típica da idade dela – e também que compreende agora que nunca o poderá ser. Muito trabalho de escrita, para aqui, já que é quando Laura se afirma como “a mulher que realmente é”, a (eterna) estudante tímida de Cultura Grega... e é este o final do seu arco dramático.
CENA 15. Apartamento de Rita e Laura. 20 de Junho. Madrugada de Domingo.
Madrugada. Laura entra em casa. Rita já lá se encontrava. Trocam poucas palavras. Rita diz que vai voltar para Lisboa. Laura tenta dissuadi-la, mas demasiado timidamente. Rita partirá nesse mesmo dia. (Laura vai com ela? Eu diria: sim)
CENA 16. Apartamento vazio. Mesmo dia.
Noite. Patrícia dorme. Amanda traça-lhe o retrato.
CENA 17. Praia. 21 Junho.
Amanda, completamente vestida, entra no mar. André entra para salvá-la. Artur, que observa a cena ao longe, vai a correr e junta-se ao salvamento.
Os dois homens retiram Amanda do mar. André está alterado, imensamente preocupado com Amanda, age como um verdadeiro profissional – acto que o regenera moralmente.
Artur e André farão as pazes, mas a relação de mentor e aluno acabou. São agora dois estranhos que se respeitam.
CENA 18. Apartamento vazio.
É com uma nota agridoce que termina esta “Selenografia”:
Noite. Amanda repousa sobre a cama. Patrícia vigia-a de perto. O apartamento está às escuras, a luz que entra é a da rua. A custo, Amanda conseguirá, enfim, falar dos ciúmes que a dominam. Sente-se, em parte, protegiada pela seu desaire dessa manhã. Espera caridade de Patrícia.Patrícia, no entanto, será sincera na resposta às inquietações de Amanda (Patrícia não sabe ser de outra maneira).
CENA 19. O engate.
Patrícia relatará, então, um engate recente. Recordam-se do episódio da lingerie? É a actualização deste. Talvez ela lhe conte que aquilo homem com quem Amanda a vira (cena 5) era, de facto, um engate. Ou talvez lhe conte como, recentemente, foi a um bar especificamente para engatar um homem mais velho – qualquer homem mais velho... e que foi tão longe quanto o desejou.
À história relatada por Patrícia corresponderão imagens, a que se sobreporá (talvez) a voz-off da narradora.
CENA 20. Apartamento vazio. A mesma noite.
Patrícia acaba o seu relato. Amanda percebe que nunca terá forças para impor, naquela relação, um modelo diferente. Nunca se sentirá realmente amada. Por outro lado, não tem a força que lhe permitiria sair da relação. É fraca, e está sujeita a Patrícia para todo o sempre.
Exactamente no momento em que constata isto mesmo, olha para Patrícia. Esta surge-lhe como uma silhueta negra, que se destaca contra o céu azul nocturno, onde a lua cheia e cor-de-rosa brilha intensamente, impiedosamente.
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