sexta-feira, 10 de abril de 2009

Como Conheci o Álvaro














Estava no primeiro ano de licenciatura, ainda andava meio perdida naquela imensidão de edifício que é a faculdade de Letras.
Á medida que me fui enturmando, comecei a querer-me ocupar nos tempos livres e descobri que a faculdade tinha um grupo de teatro. Nada melhor para espairecer e fazer amigos, para ter companhia no bairro alto, etc, etc...
Apostei nisso e fui assistir a um ensaio, quando entro no auditório reconheço o "encenador", era o meu professor de FilosofiaI. Até estranhei...nas aulas parecia tão acanhadinho e contido, tão sério...e afinal dirigia aquele animado e irreverente grupo de jovens.

Como pode alguém ser duas pessoas tão diferentes?

Nunca mais consegui olhá-lo nas aulas sem pensar no Álvaro dos ensaios.
Quando dei por mim, não perdia um ensaio depois das aulas, entrava em todas as produções do grupo...já não sabia se estava lá pelo gosto plelo teatro ou pelo gosto pelo Álvaro...

Comecei a dar por mim a fazer coisas totalmentedescabidas, até aos meus olhos...
Faltava ás aulas de Filosofia, mas ia aos ensaios, só para que ele me perguntasse porque tinha faltado, se estava tudo bem comigo, e coisas assim...
Nos ensaios errava deixas ou esquecia texto, só para ter atenção e ficar no final, quando todos iam embora, a ensaiar com o Álvaro...sozinhos...
Nestes dias em que os ensaios se prolongavam, o Álvaro fazia questão de me levar a casa porque "não eram horas para uma rapariga andar sozinha na rua".
Foi aí que comei realmente a conhecê-lo...30 anos, solteiro, veio de Évora, adorava ter sido actor, mas a sua verdadeira paixão pela filososia fê-lo adiar ou reestruturar esse sonho...talvez por isso tenha aceite o papel de responsável pelo grupo de teatro.
...foi também nestas boleias que também me dei a conhecer...cedo acabei com as infantis chamadas de atenção...voltei á aluno exemplar e á pseudo-actriz com pseudo-talento.
Para meu espanto...teve mais efeito esta atitude que a outra.

Com isto tudo meteram-se as férias.

O grupo de Teatro continuava-se a reunir fora da escola, para o social e palhaçada.
Quando a escola recomeçou, o Álvaro perguntou-me se queria ficar com o papel de "May" na próxima produção "Loucos por Amor" de Sam Shepard.

Uma mulher que luta há anos para se libertar do amor da sua vida. Um amor fervoroso, mas errado desde a sua origem. Um amor incestuoso, entre irmãos, que quando descobriram o seu parentesco já era tarde trade demais...Ela passou a vida a fugir e a ser encontrada, a amar e a lutar coontra esse amor...esta era a sua última oportunidade...(que cena...)

Nunca estive tão próxima do Álvaro, ajudava-me imenso, com o texto, a construir a personagem, a entrar no mundo da peça, tudo...só falávamos da peça, de como eu estava a apaixonar-me por aquilo tudo, nunca me tinha sentido tão bem em palco, que ele estava a ser uma ajuda preciosa e tal, e tal, e tal, e tal, e BEIJO!
EU BEIJEI O ÁLVARO! EU BEIJEI O PROFESSOR!

Saí do carro a correr e entrei em casa, nem olhei para trás.

- Com que cara vou aparecer amanhã na escola?
- Como vou falar com ele?

Decidi dar-me 2 dias de folga...5ª, 6ª, nunca um fim de semana de quatro dias me pareceu tão curto...
Chegou logo 2º feira, mas tinha até ao final do dia para respirar...o que se resumia a umas horas.

Á hora do ensaio lá apareci, cheia de vergonha, mas o Álvaro estava como que não se tivesse passado nada...eu é que parecia a estranho no meio daquilo tudo.
No final até perguntou se queria boleia...,mas eu disse que não, não precisava, que iria dormir a casa da Marta, que era mesmo ali ao pé...

Como se nada tivesse acontecido...não significou nada...dias passaram...e nada, nem um - o que é que foi aquilo?- ou - não o deverias ter feito?- nada...

Deveria estar feliz - pensava eu - mas não...não estava muito feliz, não conseguia deixar de pensar- o que estaria ele a pensar de mim? do que se passou?

Não sou de ter dúvidas, não sou de ficar sem respostas...quando no final de um ensaio ele voltou a perguntar se queria boleia, eu disse que sim! Desta vez ia perguntar tudo, saber tudo!

Ficámos o caminho todo em silêncio, ´nem o rádio do carro cortava aquele silêncio...
Chegámos á minha porta...e silêncio...nem ele falava, nem eu me mexia para sair do carro...silêncio total...

O Álvaro baixa a cabeça...olho para ele sem me mexer...ele esboça um sorriso...pior sonoriza o sorriso...devia achar-me ridicula, que palhaça, a pita que se atreveu a beijá-lo, que divertimento...que vergonha...tentei sair do carro a correr...mas ele agarrou-me o braço...sem palavras...mas percebi que não queria que me fosse embora.

mais silêncio...pacifico desta vez...certo mesmo...vou tentar mais uma vez...sem fugir...senti espaço para tentar mais uma vez...

Aproximei-me...sempre a olhá-lo nos olhos...e só via um caminho aberto...nem um obstaculo...até o fim...Álvaro...agora era eu que não queria sair daquele carro- (que romântica que eu era, credo, mas era assim, foi bom assim, não havia outra maneira para ser)...

Parecia um jogo, como nos filmes, mas real...na escola eramos conhecidos, professor e aluna, fora daquelas paredes eramos homem e mulher, amigos, amantes, ás vezes um só...

Parecia que estava tudo bem, tudo certo, só de estar ao pé dele...

Ao longo dos dois anos que se seguiram, senti que cresci com ele, fez-me ver o que queria realmente para mim, e como deveria realmente lutar pelo que acredito, nunca me deixar para segundo plano, não abdicar de mim, do que gosto, dos meus objectivos por nada...por ninguém...e que isso não implica não gostar das pessoas, implica apenas gostar de mim...
E foi o que aconteceu...ele iria voltar para Évora...eu sabia disso...nunca escomdemos nada um do outro.
Estes são os factos. Ele teve de ir...eu tive de ficar.
Ninguem se anulou...ninguém se atropelou...
Estavamos a viver e continuámos a viver...sem rancor



Rita

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