sexta-feira, 3 de abril de 2009

O relógio em contagem descrescente...



AMANDA
Passaram dois minutos desde que olhei para o relógio a última vez. A mim pareceram-me horas, horas sem fim. Aqui onde estou o tempo custa a passar. O tempo está congelado pela frente fria que veio do norte. O tempo martela, martela com força na barriga, batem os segundos e eu ouço os ponteiros, a toda a hora, em câmara lenta, em câmara lentíssima. É assim que passam as horas por aqui, como um filme antigo e desfocado. Demora, tudo demora demasiado tempo. Leva tempo acordar, leva tempo decidir o que fazer até decidir não fazer nada. O tempo não anda para trás, não anda para a frente, o tempo é sempre o mesmo. Aqui onde estou, neste sítio para onde me trouxe, petrificaram-se os minutos. Há relógios por toda a parte e nenhum deles parece contribuir para a mudança. São só relógios pendurados que marcam cada segundo em que nada acontece. Estou à espera, à espera da hora em que finalmente poderei tomar uma decisão. A vida resume-se a isto: estar à espera, à espera do segundo em que finalmente me levanto; do segundo em que finalmente articulo os lábios para dizer uma palavra, qualquer palavra serviria nesta altura. Que hora é esta? Tenho um cronómetro dentro da cabeça que grita a cada instante que um dia o tempo vai esgotar-se. Que talvez amanhã seja tarde demais para acordar. O cronómetro dispara, dispara e ainda assim os pincéis continuam limpos e o suor das pessoas incomoda-me. O cheiro, qualquer cheiro me incomoda. Fico enjoada como se estivesse grávida. A humanidade: é esse o cheiro que mais me atravessa o bem estar. Manias, regras, hábitos. O que for, seja o que for, fico doente o cheiro invade a sala através da varanda, como se fosse sol, sol imenso de verão que atravessa as cortinas brancas. Eu não estou doente, estes cheiros, estes cheiros é que me põem assim, impaciente com os relógios, com os segundos que martelam sem parar dentro da minha cabeça. Passaram mais dois minutos, regressei ao relógio e nada acontece. Parece que Deus abandonou há muito este lugar a que um dia chamei casa.

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