domingo, 19 de abril de 2009

Youth without youth

Olá a todos. Venho dar-vos conta daquilo que tenho pensado e feito em relação ao trabalho de escrita para o nosso filme.
Há um cartaz que, desde há anos, me incomoda, apesar de pouco mais conter que a seguinte citação de Epicuro: “Faz tudo como se alguém te observasse” É possível que também alguns de vocês o tenham visto. Cinco por três metros, com a silhueta de um homem que se destaca contra um fundo amarelo, e empunha à altura dos olhos uma moldura vazia. Ignoro o motivo pelo qual este cartaz se encontra tão disseminado, uma vez que não existe sequer, no dito cartaz, a menção a alguma marca ou serviço que o subvencione. Assim, este cartaz parece assumir a função de um mandamento ao cidadão comum, a apelar a que cada um imagine um espectador para as suas próprias acções. Ora, acontece que a minha máxima é precisamente a contrária, e que me parece preferível imaginar que estamos, ao invés, e sempre, sozinhos.
O mandamento de Epicuro não passa, a meu ver, de uma formidável armadilha, que tem feito não poucas vítimas ao longo dos tempos. Esta armadilha é vizinha próxima do temor religioso, da devoção ao líder político, e de todas as formas de escravidão.
Há, no entanto, um periodo (mais ou menos largo) na vida de cada um em que nenhum destes males oferece perigo. Trata-se da juventude, que é passada (sempre) na mais terrível, espontânea, divina solidão. A rebeldia adolescente é bem o fruto desta consciência de existir dentro de nós um fogo inesgotável, uma vibração em função da qual todo o Universo se sintoniza. A juventude, creio, é isso mesmo.
E, se esta minha opinião vos pareça de refutar, espero ao menos que seja clara. São preferíveis os erros claros aos erros obscuros porque, em relação àqueles, se pode traçar oposição, enquanto que estes nada adiantam ou atrasam à tarefa do pensamento. Quando muito, fazem passar o tempo - como, aliás, a má televisão. E como o nosso tempo urge, daqui a poucas semanas estaremos a filmar, e o que aqui se pretende não é má televisão, mas bom cinema, deixem-me dizer o que penso sem meias-tintas:
Aquela frase de Epicuro tem-me vindo muitas vezes à mente, nestas últimas semanas. Não estou habituado a escrever sabendo, de antemão, que o produto da minha escrita vai necessariamente passar por tantos observadores. Tem-me sido muito difícil escrever as cenas para o nosso filme. A questão, aliás, nem está no número de observadores, mas sim no facto de, aqui, todos eles terem um rosto e um nome (o vosso rosto, o vosso nome). Isto porque a escrita, para mim, é o mais solitário, e o menos encenado dos actos e, se eu aceitasse brandamente o mandamento de Epicuro, faria desse acto, que tanto prazer me tem dado, uma enorme encenação. Coisa que tenho de rejeitar.
Portanto, restou-me escrever como se vocês não viessem a ser os espectadores e juízes deste trabalho. Escrever, até certo ponto, para mim próprio.
Finalmente encontro-me na situação de o conseguir fazer. O trabalho descolou. Tratou-se, afinal, de encontrar em mim alguns traços daquela mesma juventude, conforme vo-la defini. De outro modo, seria impossível apresentar-vos fosse o que fosse.
Desculpem a tardia adesão ao blogue. Foi uma longa (e, para mim, proveitosa) caminhada para chegar aqui: a esta mesmíssima conclusão, com muito de redentor.
O trabalho segue dentro de breves momentos. Para vossa apreciação, claro está.

Luís M Cruz

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